Legalidade, no Brasil, Medicina Chinesa

 

Debate-se, exaustivamente, em todo o Brasil, sobre a legalidade ou não, da prática da medicina tradicional chinesa por profissionais do assunto, titulados em  cursos técnicos ou pós-graduação lato sensu, que não sejam médicos vinculados aos Conselhos Regionais ou Federal de Medicina.

 

Desde logo, convém afirmar que a prática da medicina tradicional chinesa, nos ramos da fitoterapia , dietoterapia, acupuntura e outras técnicas da cultura oriental, não é prerrogativa exclusiva de nenhuma profissão  regulamentada.

 

A legislação a respeito, afirma:

 

A República Federativa do Brasil, por ocasião da elaboração da Constituição de 1988, optou pelo Estado Democrático de Direito (art. 1º), imperando, assim, o primado da absoluta legalidade, ainda que contrarie vontades ou interesses.

 

Tanto é assim que a Carta do Povo, no seu art. 5º, II, reafirma o princípio da legalidade, dizendo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

 

No mesmo sentido, dispõe o mesmo Texto Basilar (arts. 5º, XIII, e 22, XVI), que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, sendo competência privativa da  União legislar sobre essas condições. E lei não há.

 

A respeito do tema, predica  Uadi Lammêgo Bulos, in Constituição Federal anotada, Saraiva, 5ª edição:

 

“A liberdade de trabalho, ofício ou profissão veio prevista para garantir a livre opção da atividade a ser seguida por brasileiro ou estrangeiro residente no País, de acordo com sua aptidões, talentos e ideais de vida. No que concerne a escolha profissional, a liberdade é inviolável, porém é ilegítimo o poder de policia para legalizar e permitir  in totum a admissão e o exercício da profissão. Determinadas profissões exigem habilitações especiais para o seu exercício...; outras atividades prevêem condições materiais adequadas para seu funcionamento.

...

 

É imperioso lembrar que o exercício está condicionado pelas qualificações previstas em lei. O inciso logra eficácia contida, afinal o seus efeitos dependem de providencia infraconstitucional ulterior, observadas as restrições de ordem técnica ou racional” (ob. cit. pg. 173). Grifei.

 

Por outro lado, os governos da República Federativa do Brasil e da República Popular da China estabeleceram Acordo para o desenvolvimento e a cooperação recíprocas, nos campos da cultura, educação e esportes, em todos os níveis.

 

Esse Acordo foi aprovado pelo Congresso Nacional,  através do Decreto Legislativo nº  02 de 02.09.87, surgindo, então, o Decreto 95.944 de 21.04.88.

 

Assim, a cultura chinesa nos seus diversos seguimentos se incorpora ao Direito Brasileiro.

 

O Acordo firmado entre os Estados Partes, uma vez incorporado à legislação brasileira, estacionou na mesma hierarquia  da lei ordinária , como, aliás, já pontificou o  Supremo Tribunal Federal.

 

"...o exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto", acrescentando que "no sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor  jurídico  terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política". ..

"o Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. “...os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa...

No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade" (ADI 1480 MC/DF, DJ 18/05/2001, rel. Ministro Celso de Mello). Grifei.

 

Assim, considerando a inexistência de lei que regulamente a profissão de medicina chinesa, a liberdade para o seu exercício é plena e a qualquer pessoa que possua habilitação, técnica ou científica, médico  ou  não.

 

A Lei 9.649/98 atribuiu aos Conselhos Federais competência para regulamentar as atividades profissionais, mas teve o art. 58 declarado  inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADIN 1.717/DF), porque essa prerrogativa é típica de Estado, não podendo ser delegada a entidades privadas.

 

Se alguma dúvida existia  sobre a legalidade do exercício profissional por qualquer técnico ou científico, nada mais resta a ser esclarecido, após a edição, pelo Ministério da Saúde, da Portaria 971 de 03.05.06 (DOU 04.05.06).

 

Através dessa Portaria, o Ministério da Saúde, em atendimento às diretrizes da Organização Mundial da Saúde para avançar na institucionalização das práticas integrativas e complementares no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS – adotou a medicina tradicional chinesa, nas áreas de acupuntura, homeopatia, plantas medicinais e fitoterapia, termalismo e crenoterapia, como práticas de caráter multiprofissional, garantindo a inserção de profissionais que exerçam a acupuntura nos quadros do SUS, bastando o título de especialista.

 

Em razão do exposto, existe plenitude legal para o exercício da medicina tradicional chinesa em qualquer de suas vertentes.

 

Os Tribunais seguem a trilha da legislação:

 

Publicada a Portaria 971 pelo Ministério da Saúde, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul – SIMERS – ajuizou ação civil pública contra a União, na tentativa de impedir que profissionais não-médicos realizassem tratamento de pacientes através de acupuntura, no âmbito do SUS, ao argumento de que a prática não tinha eficácia científica comprovada. Alternativamente, pediu a suspensão de dispositivos dessa Portaria, para que o exercício da acupuntura permanecesse como ato privativo dos médicos.

 

A liminar foi rejeitada em primeiro grau, levando o assunto para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, através do agravo de instrumento nº 2006.04.00.034793-2/RS, distribuído ao Desembargador Federal Roger Raupp Rios, julgado em 18.07.07.

 

Nesse agravo disse o Magistrado que se a prática da medicina chinesa não tinha comprovação científica, então não poderia ser exercida nem pelos próprios médicos.

 

Referiu ainda que a OMS reconhece  que 80% da população dos países em desenvolvimento  utiliza práticas tradicionais nos cuidados básicos de saúde,  sendo que 85% utiliza plantas ou preparados e que o Brasil tem enorme tradição de uso de plantas medicinais.

 

Justificou o Magistrado que a Portaria não contraria qualquer legislação que pudesse justificar a sua anulação e quanto ao fato do exercício por não-médicos da prática de  acupuntura, não significa ampliação de eventuais riscos a saúde, eis que a responsabilidade por eventual imperícia é também dos profissionais  médicos.

 

O agravo de instrumento foi rejeitado, mantendo-se a Portaria Ministerial.

 

Em disputa judicial promovida pelo Conselho Federal de Medicina contra o de Enfermagem, avocando prerrogativa exclusiva para o tratamento de pacientes através de acupuntura, decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (AGREGSS nº 2002.01.00.002616-5/DF – 18.04.02, rel. Juiz Tourinho Netto), que a matéria não está regulamentada em lei, não se podendo validar resoluções dos Conselhos profissionais, inclusive aquela do Conselho Federal de Fisioterapia.

 

Inconformado o Conselho Federal de Medicina ingressou no Superior Tribunal de Justiça, donde sobreveio decisão lançado pelo Ministro Nilson Naves (pet. 1.681/DF, DJ 30.04.02), afirmando que a matéria relativa à terapia oriental milenar carece de regulamentação federal, podendo ser praticada, não só por médico, mas também por enfermeiros e outros profissionais da saúde.

 

Por sua vez, o Sindicato Nacional dos Profissionais em Acupuntura e Terapias Orientais do Rio de Janeiro, manejou mandado de segurança e posterior recurso ao Superior Tribunal de Justiça, reivindicando o direito de registrar seus representantes na Secretaria da Saúde, situação que foi rejeitada, ante a falta de legislação regulamentadora (RMS 11.272/RJ, rel. Min. Castro Filho, DJ 04.06.01).

 

A prática da medicina chinesa, em especial o exercício da acupuntura, é regulamentada em mais de 50 países, extensiva a todos os profissionais que lidam com saúde. Somente na Arábia Saudita e na Áustria, o exercício é restrito a médicos.

 

O fato dos Conselhos profissionais de medicina, fisioterapia, enfermagem, farmácia, biomedicina, psicologia e fonoaudiologia, terem normatizado o uso da acupuntura para seus profissionais, não significa que essa atividade seja exclusiva deles, podendo ser exercida por outros profissionais, inclusive de nível técnico.

 

Em Santa Catarina, o Centro Integrado de Estudos e Pesquisa do Homem ajuizou ação buscando danos morais e materiais contra a Sociedade Médica de  Acupuntura daquele Estado, porque esta divulgava que o primeiro não poderia exercitar a medicina chinesa.

 

O juízo federal de primeiro grau julgou parcialmente a ação, deferindo tutela antecipada proibindo que a Sociedade Médica continuasse sua divulgação contra o Centro Integrado de Estudos.  O processo se encontra no Tribunal Regional Federal (proc. 2003.72.00.003442-0/SC), em grau de recurso.

 

Conclusão:

 

Considerando a liberdade de exercício profissional e de trabalho, assegurado pela Constituição Federal e tendo presente o Decreto Federal 95.944/88 e Portaria MS 971/06, além das sucessivas decisões judiciais, tem-se  que é absolutamente livre a criação de institutos de nível técnico ou superior para o ensinamento da cultura oriental e da medicina tradicional chinesa, especificamente, em qualquer de suas vertentes, não tendo os Conselhos das profissões regulamentadas o poder de normatização e nem o monopólio para o exercício dessas atividades.

 

Parece importante realçar, por fim, que  a formação em cursos sobre cultura ou educação das  técnicas chinesas, qualquer que seja,  exigem  certificados, pois qualificação ( como exige a Constituição Federal) significa conhecimento atestado.

 

É o entendimento,

 

Alceu Ferreira Nunes

Presidente do Sindicato dos Profissionais em Terapia Chinesa, graduado e pós-graduado em direito, doutorando em ciências jurídicas.

 

ARTIGO NÚMERO 001

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